25/09/2013

Olhando à frente: efeitos cardiovasculares de mudanças no estilo de vida

Recentemente publicado no New England Journal of Medicine, o estudo com o sugestivo nome de LOOK AHEAD reacendeu o debate sobre os efeitos cardiovasculares de mudanças no estilo de vida. Desenvolvido para avaliar os efeitos cardiovasculares a longo prazo de mudanças no estilo de vida para redução de peso em pacientes portadores de diabetes tipo 2 obesos ou em sobrepeso, o estudo demonstrou ausência de benefício clínico de intervenção intensa para perda de peso. 


A recomendação da perda de peso para pacientes portadores de diabetes tipo 2 obesos ou em sobrepeso é algo bastante corriqueiro no consultório e baseia-se em uma série de estudos que demonstraram benefícios a curto prazo da perda de peso, tais como melhora do controle glicêmico, de qualidade de vida, de risco cardiovascular e de outras doenças associadas à obesidade. Contudo, ainda persistem dúvidas quanto à capacidade da perda de peso em reduzir morbidade e mortalidade cardiovascular nestes  pacientes, especialmente devido à grande quantidade de fatores de confusão. 

O LOOK AHEAD foi um estudo clínico multicêntrico e randomizado que envolveu 5145 pacientes que, entre agosto de 2001 e abril de 2004, foram aleatoriamente divididos em um grupo que receberia intervenção intensa no estilo de vida (2570 pacientes) e outro que receberia tratamento e educação sobre o diabetes (2575 pacientes). A intervenção intensa incluiu aconselhamento individual e em grupo semanalmente nos primeiros 6 meses e com frequência decrescente ao longo do estudo, meta de ingestão de 1200 a 1800 kcal/dia, uso de produtos substituidores de refeição e exercício físico de moderada intensidade por, no mínimo, 175 min/sem, tendo como objetivo atingir e manter uma perda de peso mínima de 7%. Já a educação sobre diabetes envolveu três sessões de aconselhamento em grupo por ano com foco na dieta, exercício físico e suporte do primeiro ao quarto ano, passando a ser uma sessão anual a partir de então.

Ao fim da intervenção, o tempo médio foi de 9.6 anos e menos de 4% de todos os pacientes havia perdido seguimento. Pacientes no grupo de intervenção tiveram maior redução no peso (6% ao final do estudo contra 3.5% no grupo controle) e na circunferência abdominal, além de maior melhora na condição física (maior no primeiro ano) do que os pacientes do grupo controle.  Entretanto, não houve diferença significativa entre os grupos na ocorrência do desfecho primário, representado pela primeira ocorrência de morte por causa cardiovascular, de infarto do miocárdio não fatal, de acidente vascular encefálico não fatal ou de hospitalização por angina.

Dessa forma, o estudo não evidenciou diferença significativa entre os dois grupos comparados quanto à morbidade e mortalidade cardiovascular, indicando que pacientes com diabetes tipo 2 obesos ou em sobrepeso podem obter e manter  perdas de peso modestas e graduais em um período de 10 anos. É preciso ficar claro que o trial não indicou ausência de benefício na perda de peso para redução de risco cardiovascular, mas demonstrou que intervenção intensa para perda de peso pode não ser necessária no grupo estudado.


Veja também a discussão sobre a metodologia do estudo LOOK AHEAD em:

16/09/2013

É possível sermos jovens eternamente?


Em 1513, Juan Ponce de León descobriu a Flórida ao buscar a Fonte da Juventude. Nos últimos anos, nenhum território foi descoberto, mas a indústria farmacêutica encontrou um filão bastante lucrativo na tentativa de prolongar a juventude e evitar o envelhecimento. Surge a "Medicina anti-aging", fundada na noção de que seja possível retardar, ou até mesmo evitar, o envelhecimento com a adoção de certos comportamentos. Como mudanças no estilo de vida não agradam e não podem ser comercializadas, as principais propostas se concentram na reposição de substâncias. Vitaminas, hormônios e micronutrientes já foram anunciados como modernas fontes da juventude. 

Em primeiro lugar, por que devemos desconfiar do anti-aging, se ele busca atender um sonho comum da humanidade? Basicamente, porque ele contradiz nossos principais conceitos atuais sobre senescência. A teoria prevalente entre os biólogos modernos afirma que as células diploides possuem um número limitado de divisões celulares (fenômeno Hayflick) e que estas, ao longo do tempo, sofrem um processo acumulativo de mudanças moleculares que acabam por interromper o metabolismo, resultando em degeneração e morte. Células que se dividem indefinidamente e que não morrem com o acúmulo de lesões em sua estrutura molecular são, a rigor, células cancerosas.

O envelhecimento ou senescência é entendido como um processo natural que ocorre tanto a nível do organismo quanto da célula, sendo universal entre os organismos diploides e geneticamente programado. Neste sentido, impedir o envelhecimento seria semelhante a evitar outras fases da vida, como infância e adolescência. Algo que talvez só seja possível na literatura fantástica, em histórias como a de Peter Pan.

Além disso, não existem evidências científicas suficientes para comprovar a eficácia da reposição de quaisquer substâncias, especialmente hormônios, como DHEA e GH, para retardar a senescência. A maioria destas pedras filosofais modernas não passou por estudos científicos com metodologias adequadas que comprovassem sua eficácia em retardar o envelhecimento e as que passaram não tiveram resultados positivos.  Neste ponto, o Conselho Federal de Medicina é bastante claro no parecer CFM nº 29/12, resultante do processo-consulta CFM nº 4.690/11: 

"A falta de evidências científicas de benefícios e os riscos e malefícios que trazem à
saúde não permitem o uso de terapias hormonais com o objetivo de retardar, modular ou prevenir o processo de envelhecimento".   

É preciso, contudo, diferenciarmos o envelhecimento fisiológico do patológico, uma vez que este último pode em certa medida ser evitado. O envelhecimento fisiológico é um processo inexorável, irreversível e que se caracteriza pela maior vulnerabilidade às condições do meio interno e externo, sem contudo representar adoecimento ou redução considerável da funcionalidade. O envelhecimento patológico, ao contrário, constitui-se de alterações resultantes de traumas e doenças que ocorrem ao longo da vida, determinado perda da capacidade funcional do indivíduo. O gráfico abaixo explica esta diferença:




Os principais determinantes de qual processo de envelhecimento predominará são a hereditariedade e os fatores ambientais, principalmente os relacionados ao estilo de vida. Existem um número considerável de evidências científicas que apontam que uma série de medidas comportamentais podem contribuir para minimizar o risco de envelhecimento patológico. A receita é bem simples, nada milagrosa: ter uma dieta adequada, praticar exercícios físicos, controlar o peso, evitar o tabagismo e o consumo excessivo de álcool, proteger-se da exposição solar, manter-se mental e fisicamente ativo, tratar doenças metabólicas crônicas.

Contudo, como nada disto pode ser comprado na farmácia e tomado uma vez por dia, a busca pelo medicamento que garantirá a eterna juventude continua.

Veja a conferência do TED sobre o tema: