Recentemente lançado pelo Ministério da
Saúde (MS), o Programa Mais Médicos (PMM) se tornou assunto de debate e
preocupação entre estudantes e profissionais médicos, que mostram, na maior
parte das vezes, discordância com o proposto pelo governo federal. Mas, por que
eles tem se posicionado contra o programa? Será simplesmente por
corporativismo, como pretendem os defensores do governo?
Em primeiro lugar, tendo como tema "Mais médicos para o Brasil, mais saúde para você", o PMM já parte de um pressuposto incorreto: o de que bastam médicos para promover saúde, negando a realidade que médicos são parte de uma complexa infraestrutura de saúde, que compreende outros profissionais, insumos, equipamentos de diagnóstico e estruturas mínimas para intervenção e tratamento. Afinal, o que pode um médico fazer apenas com seu estetoscópio e sua boa vontade em uma região isolada, impossibilitado de solicitar exames mínimos, como hemograma ou radiografias, ou de prescrever medicamentos adequados?
Em primeiro lugar, tendo como tema "Mais médicos para o Brasil, mais saúde para você", o PMM já parte de um pressuposto incorreto: o de que bastam médicos para promover saúde, negando a realidade que médicos são parte de uma complexa infraestrutura de saúde, que compreende outros profissionais, insumos, equipamentos de diagnóstico e estruturas mínimas para intervenção e tratamento. Afinal, o que pode um médico fazer apenas com seu estetoscópio e sua boa vontade em uma região isolada, impossibilitado de solicitar exames mínimos, como hemograma ou radiografias, ou de prescrever medicamentos adequados?
Em segundo, o "Diagnóstico da Saúde
no Brasil", que reúne os dados que justificam a criação do PMM, insiste em
afirmar que faltam médicos no país ao comparar a relação de médicos por
habitantes de outros países, sem questionar a distribuição das equipes de saúde
e o volume de investimento em saúde, muito inferior no Brasil em relação à maior parte dos
países comparados. O governo persiste em divulgar um número cabalístico de
tantos médicos por habitante que simplesmente não é encontrado em nenhuma
recomendação da OMS, como discutimos em:
Ainda quanto ao "Diagnóstico da Saúde
no Brasil", este apresenta uma tentativa grosseira e aviltante de indispor
a população contra a classe médica, ao dizer que "Segundo pesquisa do IPEA (divulgada em 3/07/13), entre 48 carreiras
universitárias, a medicina ocupa o primeiro lugar em ranking de melhores
salários, jornada de trabalho, taxa de ocupação e cobertura de previdência.
(...) O salário médio de médicos é R$ 6.940,12, considerando
recém-formados. Para quem já está no mercado de trabalho, a média salarial é R$
8.459,45 (o mais alto entre as carreiras analisadas). Medicina é a quarta
profissão com maior aumento de salário entre 2009/2012 de uma lista de 48 profissões
de nível superior".
Tal citação é simplesmente despropositada dentro
do documento, claramente servindo apenas como contrapropaganda do governo, que
tenta retratar os médicos como elitistas, corporativistas, para não dizer
mercenários e vigaristas, descomprometidos com o atendimento à saúde pública. A
cruel realidade encoberta por estes dados permanece desconhecida pela maior
parte da população que não trabalha na área, como temos a oportunidade de ver
nas redes sociais e na mídia pelos comentários de apoio ao PMM e de reprimenda
aos médicos.
https://www.youtube.com/watch?v=jSqjcLfGvwE
https://www.youtube.com/watch?v=jSqjcLfGvwE
Por outro lado, a primeira proposta do
PMM, que consiste em convocar médicos para atuar na atenção básica de
periferias de grandes cidades e municípios do interior do país, amplamente
criticada pelas entidades médicas foi habilmente transformada pela equipe de
marketing do governo em uma armadilha para os médicos. Ao invés de afirmar
claramente que abriria as portas para médicos estrangeiros sem revalidação de
diploma, o MS afirma que “as vagas serão
oferecidas prioritariamente a médicos brasileiros, interessados em atuar nas
regiões onde faltam profissionais e, no caso do não preenchimento de todas as
vagas, o Brasil aceitará candidaturas de estrangeiros, com a intenção de
resolver esse problema, que é emergencial para o país”. Ora, se não existem médicos nas áreas de difícil
provimento, já está claro que os médicos brasileiros se recusam a trabalhar nas
condições precárias destas regiões e, ao colocar desta forma, o governo só
pretende culpá-los pela falta de equipamento de saúde, negando sua própria
responsabilidade.
Outro ponto interessante nesta proposta é a
justificativa de que a contratação de médicos estrangeiros sem a devida revalidação
de diplomas é necessária pelo caráter emergencial do problema de saúde para o
país. É interessante o fato de um partido que está há 11 anos no poder perceber
somente às portas de uma eleição presidencial a necessidade premente de
solucionar o problema das regiões de difícil provimento.
A outra vertente central do PMM, intitulada de “Mais
formação” que propõe a criação de um “segundo ciclo de formação médica” de
trabalho obrigatório no SUS, também apresenta diversas falhas. Em primeiro
lugar, por se basear na importação sem critério de experiências de outros
países, que tanto caracteriza nossas políticas em saúde. Embora países como
Inglaterra e Suécia já realizem ações semelhantes, terá o Brasil estrutura
semelhante para seguir o exemplo? Estará nosso SUS tão bem organizado quanto o
NHS para absorver todos os estudantes de Medicina na prática supervisionada de
atividades de ensino?
Outro ponto a ser questionado é se a formação dos
estudantes de Medicina está tão distante do SUS, como pretende o MS. Na
verdade, a maior parte dos currículos médicos já apresenta ao menos um mês de
trabalho na atenção básica, que costuma ser caracterizado pela inadequação do
ensino supervisionado, muitas vezes pela sobreposição das atividades de médico
da atenção básica e preceptor. Neste ponto, atingimos um verdadeiro nó górdio:
como convencer professores a sair da academia para ensinar em regiões sem a
mínima infraestrutura ou como fazer com que médicos não treinados em atividades
pedagógicas deixem de atender a população para ensinar os acadêmicos?
Entretanto, nada disto tem sido considerado pelo governo ao propor seu
maravilhoso “segundo ciclo”, o que indica que a execução da proposta será bem
menos efetiva, para não dizer organizada, que o previsto.
Além disso, o estabelecimento de um registro
provisório para atuação neste “segundo ciclo” sem considerar a opinião do CFM
sobre o assunto configura um verdadeiro desrespeito às entidades de
representação médica. Sem falar que o
governo ainda não conseguiu explicar satisfatoriamente o que significará tal
registro provisório, isto é, qual será a situação jurídica destes
profissionais, o que mais uma vez nos permite questionar seu real compromisso
com a qualidade do atendimento à população.
Por outro lado, a abertura indiscriminada de vagas em
cursos de Medicina e em formação de especialistas traz preocupação quanto à
qualidade do ensino que será oferecido. Em que serviços 11,5 mil acadêmicos e
12 mil residentes realizarão suas atividades de formação? Qual infraestrutura eles
encontrarão? É inegável que a formação em Medicina exige uma importante
dimensão prática e propor a criação de mais vagas sem discutir a demanda por
estrutura de ensino prático que isto gerará mostra apenas descomprometimento do
governo com a qualificação dos médicos e residentes a serem formados.
Ainda, não podemos nos esquecer dos mais interessados
neste programa, a própria população brasileira. Será que o envio de médicos
estrangeiros pouco capacitados ou de graduandos em treinamento, muitas vezes
sem supervisão, realmente atenderá as necessidades de saúde desta população ou
só disfarçará um problema, sem nem sequer se aproximar de sua verdadeira
solução? As propostas das entidades médicas para resolver a questão das regiões
de difícil provimento divergem completamente do que é proposto pelo governo,
como afirma o presidente do CFM, Roberto D’Ávila:
Diante do exposto, precisamos nos questionar a quem o
Programa Mais Médicos realmente atende. À população brasileira carente de
serviços de saúde? Aos médicos que demandam melhores condições de trabalho? Aos
graduandos de Medicina que precisam de maior qualidade na formação? Ou ao
governo que busca reeleição?
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